FICÇÕES DO ESPÍRITO
terça-feira, 14 de maio de 2013
PUNHAIS E PICANHAS
domingo, 21 de abril de 2013
NOS BASTIDORES DA MENTIRA
domingo, 30 de dezembro de 2012
IRMÃ DAS ALMAS
segunda-feira, 29 de outubro de 2012
EVENTO COTIDIANO
terça-feira, 10 de abril de 2012
EU SEI QUE É ELA
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
A PORTA FECHADA
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terça-feira, 26 de julho de 2011
RETALHOS DO ACASO
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No aconchego de minhas palavras, percebo que a única resposta ao absurdo de Camus é nossa indescritível e indecifrável capacidade de amar.
Amor. Mas que palavra é essa, meu Deus? O que entende o outro sobre o que amo ou como amo? Não sei, tudo o que sei é que amamos despidos de qualquer ciência.
segunda-feira, 4 de julho de 2011
Eternal Sunshine of the Spotless Mind
"Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" é um filme avassalador e sua genialidade é diluída no cotidiano simples e comum de um casal de namorados apaixonado e que sofre as sutilezas do amor da mesma forma como qualquer um de nós, expectadores.
Mesmo que um relacionamento acabe, restam lembranças tão caras que jamais se perderão. São marcas e estão em nós como tatuagem em nossa pele.
Após assistir ao filme, fiquei o resto do dia pensando sobre as sensações que senti enquanto o personagem de Jim Carrey sofria as angústias de saber que parte de sua história era apagada de sua memória sem que nada pudesse ser feito.
Senti angústia e tristeza.
Fiquei angustiado porque há em mim lembranças tão caras que se fossem apagadas fariam de mim um ser humano menor, menos vivido. E me peguei triste porque se algumas dessas lembranças que guardo de forma tão cuidadosa fossem deletadas de minha história, eu perderia a única forma que tenho de reviver momentos e sensações que jamais se repetirão. É um pedacinho de alguém que ainda resta em mim, mesmo que esta pessoa esteja longe ou apenas trilhando seus caminhos por outros rumos que não os meus.
E quando se trata de amor e carinho, tudo fica ainda mais complexo. Guardar estas lembranças, às vezes tão pequeninas, me ajuda a perceber a singularidade de cada pessoa, com seus sorrisos e lágrimas, seus gestos e seus perfumes muito raros, os quais guardo em frascos pequenos, caros, exóticos.
Rafael Guerreiro
terça-feira, 5 de abril de 2011
Para Ti, garota!
Deixo a ti, garota, o que de mais caro possuo. Deixo-te a terceira margem de meus versos. Deixo aos teus sabores toda lógica, todas as interpretações que se podem fazem.
E despido de qualquer axioma, procuro em teus olhos marejados de mar um instante de conforto, qualquer razão que me permita penetrar-lhe o semblante, essa alma que tu tens e que tanto me comove.
Por que olhais o mar dessa forma, garota linda? O que procuras no mar e desprezas tanto assim na terra? Qual é essa força inexorável contida nos teus olhos de sonhos e brilhos e que tanto me força a engastar as palavras?
Veja, garota, veja! Recebe minhas margens e as transponha com teus olhos infinitos. Quebre-as em outras mil paragens, outras tantas formas de amar.
Tu que estás aí tão longe e que sente o perfume dourado do sol, recebe este presente, garota, recebe minhas margens, este porto tão singelo, doce alento ao final de teus tormentos tão serenos.
Minhas Filhas
Já não sei mais o que escrevo. Já não sei mais se é crônica, conto ou poema.
domingo, 16 de janeiro de 2011
Apenas para não passar em branco...
Rafinha Capa Blanca
sexta-feira, 3 de julho de 2009
OSSOS DO OFÍCIO
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Pediu também um mastigo de ontem e comeu ensalivando a boca.
O cidadão não se importava com mais nada. Vencido o dia, pôs língua para a vida porque naquela hora, e só naquela, sagrava-se rei de um momento de fartura.
Deixou o pranto das horas para depois e tascou nos lábios um sorriso aberto, palestrando e rindo para todos, mesmo que os outros não rissem tanto.
O cidadão era coveiro e já enterrou mais finados do que podia suportar. Seus clientes são os mais impacientes, não aceitam espera. Se o coveiro não lhes atende rápido, logo se derretem de tanto incômodo, sem cerimônias.
Era essa a sua profissão e segurou a vida no cabo de uma pá de cal sem deixar ninguém esperando. E pelas suas mãos, muitos descansaram em paz na certeza de um túmulo hermético.
O coveiro trabalhou muito, fez muitos enterros. A cal já havia lhe cortado a carne como navalha e o cheiro das carneiras cheias e apodrecidas e das flores fúnebres há muito lhe estragou as narinas.
Suportou ainda as lágrimas de tantos corações partidos e desolados despedindo-se dos seus pela última vez. E viu que, diante da morte, de nada adiantavam os lamentos.
E de brinde, sem esforços, há tempos havia decorado as exéquias.
Assim, depois de tantos enterros, chegou ao bar procurando um remédio. Queria esquecê-los, assim como as choradeiras. Queria, ao menos por um dia, esquecer os semblantes fechados que encontrava pelos dias de profissão.
Ficou de tal forma ensandecido que sua vontade era mais de caçoar dos defuntos, chamar-lhes apresuntados, medir-lhes a febre, pintar-lhes o rosto com caretas ou até mesmo fazer piadas com seus nomes diante de suas famílias; qualquer coisa capaz de quebrar o clima fúnebre dos dias de profissão.
Mas não tem jeito. Dia após dia, impacientes, os defuntos o esperaram, desejando que lhes arrume a cama e bem rápido.
Não adianta o coveiro lhes tratar com ironia. Seus olhos cerrados não enxergam nada, não participam da brincadeira, tampouco possuem senso de humor e o coveiro terminaria por rir sozinho.
E depois de pensar em tudo isso, já risonho de tanto remédio, o coveiro suspirou num desalento incomodado e lançou um pensamento alto, divagando consigo mesmo em tom resignado:
- Ossos do ofício!
Rafael Guerreiro
segunda-feira, 22 de junho de 2009
AMOSTRA GRÁTIS
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Apesar de traquinas, já trazia consigo uma das armas femininas: saber lançar olhares como punhais. É bem verdade que os dela ainda não passam de meros canivetes cegos, mas capazes de ferir seus pares!
Olhava-me numa altivez cômica, como se o mundo fosse ela. E quando percebeu minha indiferença, apelou para as caretas! Queria chamar minha atenção.
Brincou, brincou, brincou....Se lambrecou toda com a minha imagem, e quando se satisfez deu de ombros como quem se garante e se virou leve, despedindo-se com um andar solene mal ensaiado, forçando o salto do sapatinho.
Quando sumia, teve tempo ainda de se virar novamente e me espreitar de rabo de olho, numa inocência que qualquer mulher vivida já perdeu.
Eis uma amostra do futuro...
segunda-feira, 23 de março de 2009
SOBRE SONHOS E FOICES
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Era moço opinioso, de visão rija, embora carecesse de instrumentalidades. Escutou o latifundiário enquanto esperava a própria fala contida em lábios trêmulos. Mas faltava-lhe massa no estômago e, por isso, aceitou calado as migalhas do dono da terra.
Calou-se e esqueceu as palavras do seu ensaio, por onde desejava o justo e que jamais foram ditas e ouvidas.
Zé Francisco arou e lavrou aqueles acres, não era de reclame. Não abriu a boca durante o susto da labuta. Não endireitou a espinha sem antes tê-la sentido arder no ângulo agudo.
Cumprido o suplício ensolarado, largou a foice suja, engoliu água morna e fez caminho até a cidade em busca do primeiro sorriso do dia.
Parou diante da madrugada iluminada e bebeu e fumou extasiado, como quem comemorava um repente único. Mas sua alegria trazida num momento seco consumou-se num relance espraiado de sinestesias voláteis. E de sua felicidade fugaz restaram no balcão apenas copos sujos e a imagem de sua fronte ancorada nos braços.
Zé Francisco até tentou, mas quando o dinheiro acabou ninguém pagou pelos seus sorrisos.
E também ele não carecia de clemência. Era moço opinioso, não tinha precisão de esmolas alheias. Se não trabalhou não podia ter, e se algum dia teve já se foi.
Não pediu piedade, não fez palestra como já fizeram outros. Reverberou-se, bateu no peito e saiu na noite maldizendo Belzebu.
Caminhou titubeante naquele escuro de poemas até sentar-se e curvar-se na sarjeta de um espaço hostil.
Calado e sem nome, chorou um choro rangido de desespero, de solidão. E seu rosto pariu uma imolação sem sangue, uma prece que lhe trouxesse um viático para o futuro.
Lembrou-se então das palavras ensaiadas e do porquê de não dizê-las. Lembrou-se das dores e da humilhação, da água morna ao fim do dia. Foi quando seu olhar resignou-se num colapso de sonho e descrença.
Era moço opinioso, mas que tombou com o roçado seco. Havia esquecido o sonho com a foice.
E na cidade escura, no silêncio dos algozes, Zé Francisco ensaiou palavras novas, mas que dessa vez foram ditas e ouvidas claramente numa rezinha triste de conforto suave, entre pai e filho, entre um sofrer e um sonhar.
Rafael Guerreiro
sábado, 21 de fevereiro de 2009
O ESTRANGEIRO
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O sol ardia-lhe nos olhos sem qualquer licença e sua obstinação feria-lhe os pés.
Caminhou e saiu da cidade inóspita. Tomou rumo sacro e fez estrada a cada passo. Levou consigo apenas o espírito dos nômades e a paga de um jugo eterno.
No olhar sisudo não se encontravam querências, o ardor sobrepujado que sentia n’alma eram cicatrizes de sentimentos inacabados.
O estrangeiro havia perdido sua pátria, seus antepassados restavam num passado distante e se exilou diante do destino que carregava. Então fez marcha firme e partiu procurando paragens distantes, onde pudesse ser batizado para ser aceito no círculo de fogo de sua tribo.
E no ocaso daquele dia roxo, após longa marcha, quando já lhe faltaram pernas, deitou na relva simples, no aconchego da penumbra, e procurou afastar as aflições de sua alma.
Mas a tribo da qual fazia parte também deitou com ele. Também deitaram seus antepassados, vindos do círculo de fogo.
Deitou, mas não adormeceu. Admirava as constelações numa linguagem muito própria, perdido em devaneios anímicos. Sabia-se pequeno, portador de uma sina lancinante, marcado por um destino não querido, não construído. E desejou um pedido antológico, buscando um batismo de retorno.
Seu rosto sulcado de sol e lágrimas deixou transparecer por instantes um corte de amor, um desvio no olhar, um refugo no peito aberto, um pender de cãs maduras.
Enquanto jazia naquele estado hipnagógico, entre a vigília e o torpor, o vento soprava forte na madrugada nua. E quando seu coração restava nas sombras, ouviram-se passos deitando a relva simples e sussurros de vozes veladas.
As aparições aproximaram-se do estrangeiro, se curvaram até sua nudez e tocaram-lhe a fronte. Variações corriam-lhe a espinha, mas ele se sentiu reconfortado na presença quente daqueles que vinham do círculo de fogo.
Não desejava abrir os olhos, apaixonou-se pelo momento. Voltava naquele instante ao útero perdido e quando se deu conta chorou copiosamente.
Mas naquela relva, durante a roda da madrugada, onde não havia luzes nem civilização, o estrangeiro não foi levado pelos ígneos. Não ainda.
Puseram-lhe no peito uma epifania, uma marca serrada e selaram seu destino com ardores de fogo. Quebraram-lhe a maldição da saudade e da solidão, e libertaram seu coração para a vida.
No batismo de fogo, a plenitude pairou nos olhos do estrangeiro. No batismo de fogo, um conforto súbito ressoou no sangue quente, e uma rara sensação de completude profetizou dias claros de amor.
Rafael Guerreiro
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
DORES DE UM NOVO MUNDO
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Mantive rumo certo sem desvio no olhar. Não olhei para trás. Era uma ilha desbravada que se perdia no ocaso.
Entre tremores tramou-se um trilho trépido de olhares marejados. Fiz pressa num caminho de momento, não podia permanecer ali, o tempo urge inóspito. A roda girou mais uma vez e num estalo gerou um passado sem precisão.
Dessa vez não houve gritos, cabeças baixas impediram revoltas. Consumado o presente, deitei passos largos e titubeados, sem vontade, mas com coragem e parti para a outra margem.
Deixei na ilha, a pedidos feitos em língua clara, todos os pertences que um dia foram meus por sentimento.
A correnteza pariu em mim dores e vicissitudes, mas criou de forma esquizofrênica uma tatuagem vermelha, de sangue rubro, de sangue apenas.
Esqueci casa, cartas, presentes e sentidos, parti rápido e sem memória para terras estrangeiras. Na correnteza, foi-se aos poucos esfarelando qualquer memória da ilha, que aos poucos ficava submersa na maré que a deglutia.
Ainda no mar, percebi que a ilha sumiu. Nada resiste ao encontro das águas.
Deixei para os escafandristas a missão de um dia encontrar casa, cartas e sentidos. Bati braçadas rumo a terras estrangeiras.
Rafael Guerreiro
domingo, 8 de fevereiro de 2009
O FIM DAS TORRES DE MARFIM
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Na cilada da História, das provas e das palavras, era ainda difícil perscrutar os motivos de tanta raiva. Tanta desconfiança emanada de pulsões freudianas e hormônios sinestésicos.
Na cadência das horas, dos minutos e dos olhares, surgiam afoitas investidas selvagens nas falhas dos argumentos, lançadas contra a sorte alheia. Eram tapas fonêmicos, símbolos quase líricos, não fosse o anti-clímax inerente.
Na noite aberta, restavam incólumes as duas torres de marfim herméticas, duas celebridades cômicas, baseadas na desconfiança recíproca.
As torres se digladiavam com armas ilusórias, buscavam ofuscar o marfim hermético uma da outra. Não toleravam o brilho alheio, e por isso lançavam cuspes uma na outra. Não se toleram e os que sobravam ao redor, com um olhar de baixo pra cima, podiam ver e ouvir as armas usadas, puras desconexões fora de contexto, palavras sem reflexão, empoeiradas pela falta de pudor e sensibilidade.
Ao final, após uma cruzada sem Cristo, uma das torres parou, rachada, infiltrada de sulcos no marfim antes alvo.
Com o cerne rachado, sem estrutura, sem pilares, sem estacas e fundamentações, era hora de implodir-se. Desmoronou num vazio insólito de agruras e tártaros, enquanto era observada pela outra torre também ferida.
E a torre que se julgava a mais alva, a mais elevada, com fundamentos mais sólidos, com estacas mais fundas, palavras mais certeiras e ideias sublimes, foi justamente esta que se implodiu da mesma forma, não por corrosões, não por ferimentos, mas sim porque seu marfim avermelhou-se na poeira deixada pela outra. E sua razão perdeu qualquer sentido, pois, já não era alva o suficiente para ser marfim. Sua estrutura, então, lascou-lhe a vida em grossos volumes que caiam por terra desintegrando-a em nada mais que sombras.
A dor da torre mais alta não era perceptível, não era física, era apenas clara consequência de que qualquer brancura, quando na guerra, se avermelha no sangue alheio.
Rafael Guerreiro
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
EPIFANIA SEM VERSOS
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No começo, um olhar dizia mais que quaisquer palavras, quaisquer atos de amor eram decodificados num sistema invisível, conhecido apenas bilateralmente, por aqueles que amam.
A mágica dos toques e afagos lançava certezas que não desejavam qualquer explicação. Não procuravam as origens dos seus sentimentos. Eram feitos de matéria brilhante, de algo etéreo sem qualquer identificação.
A linguagem do passar das horas era oculta, distinta, alquímica, capaz de acelerar e desacelerar o tempo na cadência que desejassem. Não havia símbolos, não havia linguagem capaz daquela afinidade tão certa e completa. Não havia, portanto, palavras. Eles menosprezavam as palavras, repudiavam suas letras, seus significados. O tato jazia como intérprete universal do amor. O contato, assim, tornava-se próximo, desnudo e sem manobras lógicas, sintáticas.
Essa linguagem de gestos perdurava na noite aberta como um manifesto silencioso. Os seres de símbolos rejeitavam qualquer lógica, qualquer racionalização do momento que sorviam. Por isso, os hemisférios se entrelaçavam sem qualquer pudor. E seus corpos ganhavam significado na medida em que se lançavam na alteridade desconhecida.
No mais, o que viviam não se torna visível nas letras. Não há sequer formas narrativas que se abeirem de relatar aquele momento holístico. E pouco se importavam. Desejam mais perderem-se mutuamente num momento impronunciável.
Naquele universo intangível, um simples olhar serrado deixava de graça mais reflexos que palavras somadas em versos lapidados.
Naquele universo, em seu princípio, o aperto de quatro mãos entrelaçadas em seus opostos lançava na noite uma epifania sem versos, um desabrochar de sorrisos sem qualquer lógica.
Rafael Guerreiro
sexta-feira, 26 de dezembro de 2008
ASPECTOS DA ANSIEDADE
Rafael Guerreiro
sábado, 29 de novembro de 2008
SOMBRAS MARÍTIMAS
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Há dias em que me admira a sorte (ou azar) que trago estampado no peito errante. São percepções acerca do conjunto de momentos que formam minha vida. São momentos de abstrações acerca dos fatos e vidas que cercaram e ainda cercam meus sonhos.
De dentro para fora, surgem variações acerca da vida, incertezas bem vindas que convivem comigo em estreita relação de mutualismo. Esforço-me em procurar sentidos absortos nesse estardalhaçar de possibilidades. Esforço-me para controlar o medo das perdas certas e purgar ansiedades intrépidas em meio a esse mar de indeterminações.
Ah! Como esse mar me fascina e me lapida! Como é fácil afogar certezas de juízos néscios! Basta um mergulho nos ditames da alma, um olhar privilegiado rumo ao centro das percepções e todas as certezas são deitadas por terra num gesto certeiro, clara demonstração de inegável superficialidade.
É nesse mar eterno que resido, procurando abrigo em conchas submarinas onde ainda resiste o oxigênio. Procuro alimento incerto em fauna e flora nativas e estranhas, frutos desse mar de águas turvas e oblíquas.
Mas é bem aí que, de tempos em tempos, recebo visitas de correntes mornas, onde lanço meu corpo em obtusas manobras, e deixo meu peso ao sabor das marés. Como um escafandrista, pairo por sinuosidades longínquas, sombras onde reencontro infâncias e sabores. Por lá, nas cadências abissais, divirto-me com carrinhos de madeira e estilingues de precisão para depois retornar às velhas conchas, onde ainda resiste o oxigênio.
Quando volto das sombras, respiro um ar ainda úmido, de odores marítimos que se perdem com o decurso do tempo.
terça-feira, 2 de setembro de 2008
NOVAS VIAGENS
Ao longo dos anos, ele perambulava pelas ruas e pela praça com as mãos nos bolsos da calça jeans sem qualquer pretexto.
Fumou, bebeu, deu risadas, escreveu, riscou, amou e chorou. Quando se deu conta, seus olhos ganharam uma quebra de página, um pasmem sem qualquer grito.
Na face, um sulco de vida entortava a pele ainda rija. Eram as conseqüências da noite que tanto amava.
E agora, não desejava o final, pedia uma sobrevida egoísta na demonstração mais humilde de que ainda queria um pouco mais, só um pouco mais...Talvez sejam as pessoas daquele lugar, ou ainda daqueles cinco anos de noites, letras e sonhos.
Mas ele sabe que seu pedido traduz-se numa bagatela. Logo sacode a cabeça e lancina o olhar. Eis o caminho a tua frente.
Ele olha para o lado e, feliz, sabe que viveu. Sabe que agora as viagens serão mais altas. Lembra-se então dos que caminharam com ele e que agora preparam-se para viajar.
Deixa de graça um sorriso maroto e, numa prece quieta, evoca sua sinceridade para desejar baixinho que um dia todos viajassem juntos...
Rafael Guerreiro
sexta-feira, 8 de agosto de 2008
ENTRE AMIGOS
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Reinava um sonho preto-e-branco de intenções veladas. Os poucos recortes que sobraram dele são como brilhos caóticos de um diamante impalpável.
As poucas recordações do sonho, por qualquer motivo ainda excêntrico, congregam apenas imagens foscas de um lugar distante, onde acontecia um diálogo sério, versando sobre identidades e papéis.
Alguns livros esparramados por uma mesa onírica ditavam o tom erudito do diálogo. Neste momento, meu corpo não era mais que a imagem taciturna do vazio. Nos instantes do sonho, a vida acontecia em outro lugar, distante, entre amigos. E meu corpo era apenas a testemunha de uma atividade clarividente.
Era um lugar de pessoas sérias, mas não trago comigo mais que suas vozes temperadas. As faces por trás das vozes são como um mistério metafísico incapaz de qualquer adivinhação. Senti-me por alguns instantes como que em meio a profetas de palavras certeiras.
Deito agora ao fio da pena apenas as impressões imprecisas do lugar onde estive. Lanço no papel rabiscos de um rascunho grosseiro, caricaturas ensangüentadas feridas por navalhas de letras.
Mas nas imagens que guardo nos bateres do peito, brota um alvorecer de sentimentos intangíveis. Uma certeza feita de passos n’água e visões diáfanas.
Pressentimentos da volta formavam um risco perplexo entre a junção de mente e corpo. Nas paragens de cá as horas corriam alucinadas e demandavam o retorno.
Chegava o final da noite e do sonho e acontecia ali o retorno às paredes do quarto e às penumbras do sol ainda por nascer. Aos poucos, meus olhos se abriram ainda aturdidos e confusos de luzes e sombras.
O dia nascia. Levantei-me da cama e, de súbito, abri a janela num gesto certeiro. Contemplei o canchal de luzes num silêncio aturdido e fiz do momento uma prece humilde.
Respirei o ar da manhã como quem aspira certezas atávicas e desejei o dia num ardor de pulso e alma. Guardei num soluço uma alegria singela e senti-me feliz por saber que naquele dia tão lindo respirei satisfeito sabores de longe.
Rafael Guerreiro
EM BUSCA DO SOL
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Pelas cidades que passamos, acabei por conhecer várias pessoas. Eram homens e mulheres que passavam pelas rodoviárias, indo e voltando dos mais variados lugares.
Alguns traziam no peito uma saudade antiga, uma tristeza das mais solitárias; outros saíam forçados de seus lares, tentando a vida do jeito que podiam. Mas todos, de certa forma, traziam consigo suas próprias lembranças. Eram narradores solitários que nunca esperaram por qualquer ouvinte interessado em suas histórias.
Quando regressávamos a Franca, passamos pela rodoviária de uma das muitas cidades que paramos. Eu estava cansado e faminto. Esperava ansioso o ônibus ainda incerto, pois no guichê da rodoviária, nos disseram que as passagens haviam se esgotado e, por isso, talvez não poderíamos chegar a Franca no mesmo dia. Mas mesmo assim, ficamos na madrugada esperando pela sorte.
Enquanto esperávamos, um viajante qualquer se aproximou. Tratava-se de um vendedor ambulante aguardando seu ônibus. Era da Bahia e trazia consigo uma enorme caixa de isopor equilibrada na cabeça e um violão junto ao ombro.
Num primeiro momento não dei conversa, mas, de súbito, passamos a conversar enquanto o ônibus demorava. Então, contou-me que já viajou por todo o Brasil, procurando as festas e jogos de maior calibre, onde se alojava tentando vender suas latinhas de bebida. Quando terminavam as festas e os jogos, juntava seus pertences e partia para outras paragens, em busca do sol.
Falou ainda que diante das muitas andanças que fazia, passou a colecionar os bilhetes das viagens. De tão exóticas e distantes - dizia ele - mereceram ser postas numa caixa bem guardada em sua casa.
Mas no meio do assunto, sem cerimônias, foi-se embora tomar o ônibus que acabara de chegar. É uma pena, porque ele se foi e não tive tempo de saber o porquê de carregar junto com tamanha caixa e peso um violão pendurado com custo junto ao ombro. Ora, se estava trabalhando, acredito que não teria muito tempo para tocar músicas, tão pouco apresentá-las ao público.
Foi-se embora e sumiu na multidão. Nunca saberei de fato o que pretendia com o violão. Resta-me apenas imaginar alguma coisa, um sentido para aquele instrumento.
Talvez pretendia trazer em seus tocares a lembrança de sua terra, quiçá um hino triste de sua sina de viajante. Poderia ainda ser o violão apenas um alívio que encontrou para suportar a solidão de tantos quartos estrangeiros pelos quais passou.
Mas não teve jeito. Foi-se embora deixando-me com a curiosidade aguçada e um sentimento inacabado.
Em minha memória, ficaram apenas uma caixa de bilhetes de viagem e a imagem do violão, que por certo ressoará melodias de lugares distantes, tocadas na toada triste do viajante em busca do sol.
Rafael Guerreiro