domingo, 8 de fevereiro de 2009

O FIM DAS TORRES DE MARFIM

Era noite alta e ainda assim não havia silêncio. Os brados de altos escalões ressonavam em tímpanos cansados. Era noite e ainda assim não havia amor.
Na cilada da História, das provas e das palavras, era ainda difícil perscrutar os motivos de tanta raiva. Tanta desconfiança emanada de pulsões freudianas e hormônios sinestésicos.
Na cadência das horas, dos minutos e dos olhares, surgiam afoitas investidas selvagens nas falhas dos argumentos, lançadas contra a sorte alheia. Eram tapas fonêmicos, símbolos quase líricos, não fosse o anti-clímax inerente.
Na noite aberta, restavam incólumes as duas torres de marfim herméticas, duas celebridades cômicas, baseadas na desconfiança recíproca.
As torres se digladiavam com armas ilusórias, buscavam ofuscar o marfim hermético uma da outra. Não toleravam o brilho alheio, e por isso lançavam cuspes uma na outra. Não se toleram e os que sobravam ao redor, com um olhar de baixo pra cima, podiam ver e ouvir as armas usadas, puras desconexões fora de contexto, palavras sem reflexão, empoeiradas pela falta de pudor e sensibilidade.
Ao final, após uma cruzada sem Cristo, uma das torres parou, rachada, infiltrada de sulcos no marfim antes alvo.
Com o cerne rachado, sem estrutura, sem pilares, sem estacas e fundamentações, era hora de implodir-se. Desmoronou num vazio insólito de agruras e tártaros, enquanto era observada pela outra torre também ferida.
E a torre que se julgava a mais alva, a mais elevada, com fundamentos mais sólidos, com estacas mais fundas, palavras mais certeiras e ideias sublimes, foi justamente esta que se implodiu da mesma forma, não por corrosões, não por ferimentos, mas sim porque seu marfim avermelhou-se na poeira deixada pela outra. E sua razão perdeu qualquer sentido, pois, já não era alva o suficiente para ser marfim. Sua estrutura, então, lascou-lhe a vida em grossos volumes que caiam por terra desintegrando-a em nada mais que sombras.
A dor da torre mais alta não era perceptível, não era física, era apenas clara consequência de que qualquer brancura, quando na guerra, se avermelha no sangue alheio.


Rafael Guerreiro

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