quarta-feira, 24 de outubro de 2007

DO VELHO OURIVES ou (RECORDAÇÕES DO INFINITO)


Eis que mãos habilidosas trabalham. Não perturbem a poíesis em processo.
Em seu estúdio, o ourives trata o metal bruto e o transforma. O jovem casal segue ansioso do lado de fora. Enquanto isso, a fina ferramenta do artesão vai grafando no metal da aliança os anseios mais desprendidos.
Nos sulcos feitos no metal ficam letras, nomes e datas. Mais que isso, como tatuagem na pele, o metal se torna único porque sonhos singelos assim o querem ver. E o velho ourives trabalha.
Com cuidado o nome dele é feito no metal dela e o nome dela é feito no metal dele. A data importante do início de tudo é posta cuidadosamente após o nome. Tudo foi consumado e a aliança se impregnou de história.
O experiente ourives termina cuidadosamente o polimento e o trabalho chega ao fim. Então, chama seu ajudante e diz:
- Está feito. Onde está o casal?
- Não há nenhum casal aqui, é muito cedo, ainda estou varrendo a joalheria e abrirei as portas em dez minutos.
- Então ninguém me aguarda?
- Não creio.
E o velho ourives logo entendeu. Pegou as alianças, trancou seu estúdio, despediu-se e voltou para casa.
Quando o avistou, sua mulher logo estranhou.
- Não deverias trabalhar hoje?
- Não. O que devo é entregar-te este presente.
- Novas? Ficaram lindas. E como brilham!
- Têm o mesmo brilho de cinco décadas atrás. Vês a data?
- Sim, é verdade. Nada mudou. Continuas o mesmo broto de antes.
- Ah! Obrigado! Mas sei que já não dou mais pra isso.
- Estás errado, pois conquistaste a mim a cada dia, como um eterno namorado.
- Então, és feliz?
- Sim, muito! Sabes disso.
-Pois fizeste feliz também a mim. É como se o tempo não tivesse passado. Lembras de quando...
- Sim, é hoje...

Rafael Guerreiro

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

COROLÁRIOS


De tudo, o que permanece é o amor. Não há meios de que outras coisas ocupem o lugar deste sentimento. As memórias são cada vez mais ampliadas, enriquecidas pelas experiências de carinho e entrega. Nas minhas memórias, o vento teima em soprar forte dando movimento e energia ao meu presente. E digo que sou rico, na verdade muito rico, pois me sustento em ombros de gigantes, experiências gigantescas que moldam minha vida a cada instante.
E do presente que há pouco dei ao meu amor, extraio sorrisos que só fazem fortalecer os meus gigantes. Sou feliz!
Meus momentos alegres ao lado do meu amor são grafados em sulcos vivos e profundos, como tatuagem em minha pele. E não se apagarão nunca, mas antes tranformam-se numa tenaz impossível de se desfazer. Cada instante, cada segundo composto de olhares brilhantes e pensamentos profundos causam em mim a delicada sensação de negar todas as teorias, todos os conhecimentos provenientes das letras, pois agora só me resta a vontade de amar e mudar tudo ao meu redor.
Dou-te um beijo e sinto seus lábios quentes, concretos, e me perco no calor doce do encontro das salivas. Não quero outra coisa, não desejo o frissom das teorias nem dos argumentos complexos. Insisto nos momentos simples e no aconchego trazido por esta escassa sensação de completude.

Rafael Guerreiro