sábado, 29 de novembro de 2008

SOMBRAS MARÍTIMAS

Em minha vida, há momentos de temidas introspecções. Há dias em que contemplo, aturdido, os abismos que me rodeiam. São efervescências, lucubrações sem fim trazidas no seio de um canchal de vitupérios e decantações.
Há dias em que me admira a sorte (ou azar) que trago estampado no peito errante. São percepções acerca do conjunto de momentos que formam minha vida. São momentos de abstrações acerca dos fatos e vidas que cercaram e ainda cercam meus sonhos.
De dentro para fora, surgem variações acerca da vida, incertezas bem vindas que convivem comigo em estreita relação de mutualismo. Esforço-me em procurar sentidos absortos nesse estardalhaçar de possibilidades. Esforço-me para controlar o medo das perdas certas e purgar ansiedades intrépidas em meio a esse mar de indeterminações.
Ah! Como esse mar me fascina e me lapida! Como é fácil afogar certezas de juízos néscios! Basta um mergulho nos ditames da alma, um olhar privilegiado rumo ao centro das percepções e todas as certezas são deitadas por terra num gesto certeiro, clara demonstração de inegável superficialidade.
É nesse mar eterno que resido, procurando abrigo em conchas submarinas onde ainda resiste o oxigênio. Procuro alimento incerto em fauna e flora nativas e estranhas, frutos desse mar de águas turvas e oblíquas.
Mas é bem aí que, de tempos em tempos, recebo visitas de correntes mornas, onde lanço meu corpo em obtusas manobras, e deixo meu peso ao sabor das marés. Como um escafandrista, pairo por sinuosidades longínquas, sombras onde reencontro infâncias e sabores. Por lá, nas cadências abissais, divirto-me com carrinhos de madeira e estilingues de precisão para depois retornar às velhas conchas, onde ainda resiste o oxigênio.
Quando volto das sombras, respiro um ar ainda úmido, de odores marítimos que se perdem com o decurso do tempo.
Quando volto das sombras, meto-me a ler ficções de Borges, procurando deixas que me permitam silenciar rumores, acalmar angústias e preservar os sonhos.

Rafael Guerreiro