sexta-feira, 8 de agosto de 2008

ENTRE AMIGOS

Havia um arquipélago de seduções onde eu dormia estéril. Minhas habilidades físicas jaziam rotas no silêncio desmedido da noite.

Reinava um sonho preto-e-branco de intenções veladas. Os poucos recortes que sobraram dele são como brilhos caóticos de um diamante impalpável.

As poucas recordações do sonho, por qualquer motivo ainda excêntrico, congregam apenas imagens foscas de um lugar distante, onde acontecia um diálogo sério, versando sobre identidades e papéis.

Alguns livros esparramados por uma mesa onírica ditavam o tom erudito do diálogo. Neste momento, meu corpo não era mais que a imagem taciturna do vazio. Nos instantes do sonho, a vida acontecia em outro lugar, distante, entre amigos. E meu corpo era apenas a testemunha de uma atividade clarividente.

Era um lugar de pessoas sérias, mas não trago comigo mais que suas vozes temperadas. As faces por trás das vozes são como um mistério metafísico incapaz de qualquer adivinhação. Senti-me por alguns instantes como que em meio a profetas de palavras certeiras.

Deito agora ao fio da pena apenas as impressões imprecisas do lugar onde estive. Lanço no papel rabiscos de um rascunho grosseiro, caricaturas ensangüentadas feridas por navalhas de letras.

Mas nas imagens que guardo nos bateres do peito, brota um alvorecer de sentimentos intangíveis. Uma certeza feita de passos n’água e visões diáfanas.

Pressentimentos da volta formavam um risco perplexo entre a junção de mente e corpo. Nas paragens de cá as horas corriam alucinadas e demandavam o retorno.

Chegava o final da noite e do sonho e acontecia ali o retorno às paredes do quarto e às penumbras do sol ainda por nascer. Aos poucos, meus olhos se abriram ainda aturdidos e confusos de luzes e sombras.

O dia nascia. Levantei-me da cama e, de súbito, abri a janela num gesto certeiro. Contemplei o canchal de luzes num silêncio aturdido e fiz do momento uma prece humilde.

Respirei o ar da manhã como quem aspira certezas atávicas e desejei o dia num ardor de pulso e alma. Guardei num soluço uma alegria singela e senti-me feliz por saber que naquele dia tão lindo respirei satisfeito sabores de longe.

Rafael Guerreiro

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