terça-feira, 13 de janeiro de 2009

EPIFANIA SEM VERSOS

No começo, não havia símbolos. Eram apenas certezas universais entre sorrisos.
No começo, um olhar dizia mais que quaisquer palavras, quaisquer atos de amor eram decodificados num sistema invisível, conhecido apenas bilateralmente, por aqueles que amam.
A mágica dos toques e afagos lançava certezas que não desejavam qualquer explicação. Não procuravam as origens dos seus sentimentos. Eram feitos de matéria brilhante, de algo etéreo sem qualquer identificação.
A linguagem do passar das horas era oculta, distinta, alquímica, capaz de acelerar e desacelerar o tempo na cadência que desejassem. Não havia símbolos, não havia linguagem capaz daquela afinidade tão certa e completa. Não havia, portanto, palavras. Eles menosprezavam as palavras, repudiavam suas letras, seus significados. O tato jazia como intérprete universal do amor. O contato, assim, tornava-se próximo, desnudo e sem manobras lógicas, sintáticas.
Essa linguagem de gestos perdurava na noite aberta como um manifesto silencioso. Os seres de símbolos rejeitavam qualquer lógica, qualquer racionalização do momento que sorviam. Por isso, os hemisférios se entrelaçavam sem qualquer pudor. E seus corpos ganhavam significado na medida em que se lançavam na alteridade desconhecida.
No mais, o que viviam não se torna visível nas letras. Não há sequer formas narrativas que se abeirem de relatar aquele momento holístico. E pouco se importavam. Desejam mais perderem-se mutuamente num momento impronunciável.
Naquele universo intangível, um simples olhar serrado deixava de graça mais reflexos que palavras somadas em versos lapidados.
Naquele universo, em seu princípio, o aperto de quatro mãos entrelaçadas em seus opostos lançava na noite uma epifania sem versos, um desabrochar de sorrisos sem qualquer lógica.

Rafael Guerreiro