domingo, 30 de dezembro de 2012

IRMÃ DAS ALMAS


Ela se achega com sua cadeira espaçosa e se põe no meio da gente e nem pede licença.
Vem escondida no dia-a-dia, na cadeira de sol e no banco da praça, no espelho e nas escovas de dente. Vem por si mesma diluída naquilo que ousamos chamar de razão, no senso nada bom criado a troco de nada.
E todo mundo tem um pouco dela como semente. Nada lhe foge aos ouvidos, não há nada capaz de recusar seu autógrafo. No seio da gente ela brotou, como uma irmã gêmea, tão nossa quanto nós mesmos, e se de um lado a razão que criamos parece nos indicar o caminho, por ela brota a dúvida e a certeza num mesmo cálice doce e amargo no qual bebemos do cotidiano alucinado de tantos argumentos toscos quanto nossa imaginação pode criar.
É um disparate, mas é nós mesmos, oras bolas. É ela quem negamos, mas que desejamos assim tão forte nos sonhos, como orates que somos.
Pois é, se de um lado a razão nos beatifica, por outro, a loucura, companheira nossa, trata de calcificar a vida, mesclando sonhos com cimento e ilusões com lágrimas aqui mesmo dentro da gente, de onde brota o sorriso e o choro, tão nossos quanto é a nossa capacidade de chorar quando queremos rir e rir quando queremos chorar. 

Rafael Guerreiro

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

EVENTO COTIDIANO

Neste final de semana algo inusitado ocorreu comigo em uma das minhas diligências. Fui chamado às pressas pelo Diretor do cartório em que trabalho para "tapar um buraco" deixado por outra oficiala de justiça que simplesmente desapareceu no dia de seu plantão judicial. Tratava-se o caso de uma cautelar de separação de corpos. O "burro" aqui acabou atendendo o telefone e terminou o sabadão dando uma de exorcista do TJ, porque tive que tirar de dentro de casa uma assombração que gosta de bater em mulheres. Pois bem, de posse do mandado, me dirigi ao endereço indicado a fim de exorci...ops!, cumprir a medida cautelar. Chegando ao local, fui recebido justamente pelo réu, que naquela ocasião me tratou muito bem, inclusive, ofereceu até cafezinho! Com muita educação e respeito, disse a ele o teor do mandado, informando-o de todas as suas consequências. O réu não se assustou, pelo contrário, até deu risadas porque disse que sua ex-amásia já não morava naquele local. Disse ainda que já estava até de namorada nova!!! Pedi a ele que informasse o novo endereço da autora para que eu a encontrasse, o que prontamente foi atendido. Assim, me dirigi ao novo endereço da autora acreditando que faria tão somente a intimação da data da audiência e pronto, mais um mandadinho pro balaio!!! Foi quando ela manifestou a mim o desejo de regressar ao seu antigo lar. Pois bem, voltei juntamente com ela ao endereço do réu e, estando lá, informei a ele da necessidade agora de se retirar do lar imediatamente. Antes, contudo, tratei de amenizar seu psicológico, dizendo que aquela medida era ordem emanada do juiz e que eu não tinha qualquer interesse em vê-lo desinstalado de sua moradia. O rapaz recebeu a notícia de cabeça baixa e face estanque, sem manifestar qualquer emoção. Foi quando, de súbito, disse que não sairia do local e pronto. Disse a ele então que eu seria obrigado a chamar a polícia e que tal atitude lhe causaria sérios problemas futuros...Diante do que falei, ele simplesmente disse então que antes de sair iria quebrar a casa toda e lançou mão de um pedaço de madeira. Naquele momento, achei que o cara iria me partir no meio, mas ele entrou na casa e pôs-se a destruí-la em fúria incontrolável. Comecei a ligar pra polícia pelo número 190, mas fantasticamente eles não atendiam o telefone. Enquanto isso, o cara destruía a casa da autora e gritava todo tipo de injúrias lá de dentro. A situação era surreal, o cara quebrando tudo, a mulher chorando desesperada do meu lado e a polícia não atendia o telefone...Eu já tinha saído de perto e, inclusive, até mudei o meu carro de lugar rsrs! Foi quando o cara simplesmente cansou de praticar basebol com os vasos de sua ex-amásia e resolveu pegar seus parcos bens: uma TV velha, e pelo que vi, 2 pares de meia, uma calça surrada e 2 pares de sapato. Ao sair, após xingar seu desafeto por quase 5 minutos ininterruptos, olhou para mim e disse que não era nada comigo, pediu até desculpas. E saiu com seu carro como se nada tivesse acontecido...Complicado, não acham? Depois dessa, e com um calor de 35 graus, só mesmo tomando uma gelada pra esfriar o sangue...

terça-feira, 10 de abril de 2012

EU SEI QUE É ELA

É ela quem chega assim sorrindo e rouba a cena dos meus olhares com mãos leves de carinho.
É ela quem ganha do acaso e faz de seus passos um encontro marcado.
É ela quem improvisa e dança e canta no relance do talento. É ela quem diz o som do barzinho, com sua voz suave, pareando olhares de amor e rímel.
No silêncio do quarto, quando a penumbra entorpece os olhos e as mãos desejam pele, é ela quem sorri tranquila, fechando os olhos e abrindo alas para os sonhos, com seu sorriso assim tão cálido.
Dentro da noite nua, só pode ser ela quem agora me faz dar sossego à lua, porque já não lhe canto mais pedidos de amor, nem desejo o futuro na fumaça de um cigarro solitário.
E quando ela diz que me ama, eu corro a recortar o momento e o guardo no álbum das lembranças, fora do tempo, com todo o romance de um retrato em branco e preto. 

Rafael Guerreiro