quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

ORGULHO FERIDO

Por estes dias que passaram, um desconhecido me insultou. Impossível saber quem foi, pois em nenhum momento esta pessoa disse quem era e quais os seus motivos. Tudo que sei é que fui alvo de insultos por um desafeto anônimo hipotético.
Situação curiosa essa, porque nunca achei que tais coisas aconteceriam comigo de forma tão inesperada.
O fato é que o incidente acabou por se transformar num curioso exercício. Passei então a moldar um rosto para o tal hipotético “boca-suja”. Sondei a dispensa de minha memória em busca de alguma lembrança do passado que pudesse justificar a atitude desse alguém, mas nada encontrei que pudesse fornecer um ponto de partida, quiçá uma suspeita.
Inconformado, passei a analisar o presente e tive a mesma sensação de que ninguém traria consigo algo que o motivasse a desferir grosserias contra mim.
E o rosto não se formava. O insulto abstrato se mantinha amorfo em minhas lucubrações, sem nenhum autor palpável, sólido. Apenas ficava lá, rindo de mim.
Na verdade, com o tempo pude perceber que meu inconformismo provinha de minha vaidade, de minha não aceitação de que coisas como essa pudessem ocorrer. Foi quando descobri um molde para o tal fulano “boca-suja”. Pintei-lhe com tintas de vaidade e moldei seu rosto com matéria ensandecida de orgulho. Ficou horrível! Ótimo pra dar boas pancadas!
Foi o que fiz, nessa aberração que criei, descarreguei toda incompreensão que me restava. Bati tanto que lhe abri muitas feridas. Deixei aquela coisa horrível tão ferida que mais parecia matéria inerte, morta. Parei apenas quando a coisa já não se movia, mas sei que não o matei, porque ninguém morre de orgulho ferido.


Rafael Guerreiro

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