quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

IMPERFEIÇÕES DO FILHO DO OLEIRO

Qualquer explicação! Por favor, tragam-me uma explicação, pois contaram a mim a história errada.
Foi ainda nos tempos de eu criança quando as imagens já não se casavam mais. Da inocência restaram apenas cinzas. Dos sorrisos, apenas simulacros de um imago feito às pressas, como um vaso defeituoso do oleiro impaciente.
É que por de trás das máscaras restam tão poucas palavras... Tanto improviso trago junto ao peito que o excesso o transformou em terra sequiosa.
O espírito resta inerte, distante do mundo de lá, solto, perdido. Não há vento, quiçá nunca ouve, falta o essencial. Falta o movimento da alma.
Falta a mim mesmo num colapso temporal que se sabe terrivelmente rápido. A história que contaram solidifica-se na rapidez dos dias, endurece, se enrijece, torna-se mentira inquebrantável, que contada várias vezes passa a trazer consigo uma verdade forjada e malcheirosa.
Contaram-me a história errada. Disseram-me que o espetáculo seria livre. Afirmaram que na vida a música seria constante, e que jamais um passo de dança seria pedra de tropeço.
Convenceram-me, ainda criança, de que a vida era um belo allegro. Mas asseguro: allegro ma non troppo.
Queriam ver em mim apenas sorrisos. Contaram-me a história errada.

Rafael Guerreiro

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