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Era moço opinioso, de visão rija, embora carecesse de instrumentalidades. Escutou o latifundiário enquanto esperava a própria fala contida em lábios trêmulos. Mas faltava-lhe massa no estômago e, por isso, aceitou calado as migalhas do dono da terra.
Calou-se e esqueceu as palavras do seu ensaio, por onde desejava o justo e que jamais foram ditas e ouvidas.
Zé Francisco arou e lavrou aqueles acres, não era de reclame. Não abriu a boca durante o susto da labuta. Não endireitou a espinha sem antes tê-la sentido arder no ângulo agudo.
Cumprido o suplício ensolarado, largou a foice suja, engoliu água morna e fez caminho até a cidade em busca do primeiro sorriso do dia.
Parou diante da madrugada iluminada e bebeu e fumou extasiado, como quem comemorava um repente único. Mas sua alegria trazida num momento seco consumou-se num relance espraiado de sinestesias voláteis. E de sua felicidade fugaz restaram no balcão apenas copos sujos e a imagem de sua fronte ancorada nos braços.
Zé Francisco até tentou, mas quando o dinheiro acabou ninguém pagou pelos seus sorrisos.
E também ele não carecia de clemência. Era moço opinioso, não tinha precisão de esmolas alheias. Se não trabalhou não podia ter, e se algum dia teve já se foi.
Não pediu piedade, não fez palestra como já fizeram outros. Reverberou-se, bateu no peito e saiu na noite maldizendo Belzebu.
Caminhou titubeante naquele escuro de poemas até sentar-se e curvar-se na sarjeta de um espaço hostil.
Calado e sem nome, chorou um choro rangido de desespero, de solidão. E seu rosto pariu uma imolação sem sangue, uma prece que lhe trouxesse um viático para o futuro.
Lembrou-se então das palavras ensaiadas e do porquê de não dizê-las. Lembrou-se das dores e da humilhação, da água morna ao fim do dia. Foi quando seu olhar resignou-se num colapso de sonho e descrença.
Era moço opinioso, mas que tombou com o roçado seco. Havia esquecido o sonho com a foice.
E na cidade escura, no silêncio dos algozes, Zé Francisco ensaiou palavras novas, mas que dessa vez foram ditas e ouvidas claramente numa rezinha triste de conforto suave, entre pai e filho, entre um sofrer e um sonhar.
Rafael Guerreiro
2 comentários:
e foi atendido?
ahh foi né?
hahahah cara, vc anda criando climas de suspenses surpreendentes...
vc anda narrando coisas boas Guerreiro, com elementos maravilhosos...
vou aproveitar que vc tá inspirado e decidir logo o próximo tema da revista!
abração
Nossa!
Muito lindo!
Esse é o tipo de narrativa que nos deixa sem palavras e com um nó na garganta! o.O
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