domingo, 12 de agosto de 2007

O TEMPO PAROU POR VOCÊ

Hoje, resolvi escrever para você. Não sei ao certo os meus motivos. Acho que é o tempo, que por aqui passou a não correr mais. Nas paragens de cá, onde meus sonhos trancam sentimentos em cofres de ouro, o tempo já não anda, acho que desconfio da causa. Lembro-me das antigas histórias dos já esquecidos sábios alquimistas do deserto. Eles buscavam o domínio do tempo; se para eles o tempo parasse, a imortalidade reinaria num eterno invólucro biológico incorruptível. Era o tão desejado elixir da longa vida. Trabalhavam para atingir tal façanha, mas não se saciaram com isso apenas. Sei por seguras fontes que almejavam ainda a Pedra Filosofal, capaz de transformar tudo em ouro. Mas, diante da paixão pelo elixir deixaram todos os outros projeto de lado e, dedicados, lançaram mão unicamente deste mistério.
Ao lembrar de sua saga, eis que surge em mim uma certa pretensão alquímica de ter, quem sabe, mas não por acaso, atingido acidentalmente o tal elixir da longa vida, visto que por aqui o tempo já não anda, é estático e carrega consigo um certo ar de plenitude. Sei que para os velhos alquimistas o elixir nunca foi encontrado, tornando-se fatalmente pedra de tropeço para todos que se enveredaram pelos seus segredos. Sei ainda uma antiga história sobre tal empreendimento, acho que seria de bom grado contá-la para que não duvides de que realmente o encontrei, mas por outros métodos, menos sofisticados. Faço então o relato do fracasso alquímico.
Eis que os antigos alquimistas trabalhavam incessantemente em busca do lendário elixir. Desenhavam em seus grossos grimórios feitos de papiro trançado, complexas fórmulas alquímicas incapazes de serem traduzidas sem profundo conhecimento. Escreviam arduamente com auxílio de suas penas sob a luz de velas de cera amarelada. Em seus laboratórios construíram grandes e complexos destiladores, por onde o suado líquido gotejava em béqueres e erlenmeyers, pipetas e tubos de ensaio. Reuniam-se em secretas vigílias que duravam dias e madrugadas a fio para reportarem seus avanços rumo ao místico elixir. Contudo, ele se ocultava, não se deixava descobrir pelos alquimistas que, entediados, deitavam tudo por terra.
Mas não desistiam, a paixão alquímica os movia e, guiados pela magia do indecifrável, continuavam sua busca épica. Construíram então um enorme caldeirão e nele deitaram as essências de muitos dos nobres sentimentos do homem, extraídos a muito custo em seus potentes destiladores. Mas nem todos os sentimentos puderam ser extraídos com o uso da técnica e da sabedoria. Era claro que algo tornava incompleta a fórmula, mas a crença que depositavam em seu ocultismo cegou-lhes os olhos e, sem cogitar o fracasso, seguiram em sua saga . Então, combinaram tudo seguindo seus mistérios ocultistas. Analisaram constantemente a temperatura ideal e os níveis de acidez, corrigindo, quando era o caso, os excessos da fórmula. Tomaram ainda o devido cuidado de anotarem todas as etapas do caminho em seus papiros molhados com tinta fulgurante. Suas penas trabalharam arduamente na construção teórica da fórmula perfeita.
Então, quando julgaram ter chegado no princípio ativo ideal, reuniram-se numa enorme convenção, dispostos a difundir entre a seleta plêiade de doutos alquimistas o tão idolatrado invento.
Um deles, correndo e vibrante por tamanho entusiasmo, trouxe em um frasco ornado com safiras e esmeraldas uma rara quantidade do caro invento. Olhavam ansiosos para o frasco fechado e para a ampulheta posta ao lado. Acreditavam que quando o frasco fosse aberto, para aqueles eleitos o tempo já não continuaria, e o primeiro vislumbre da eternidade seria naquele singular ambiente demonstrado e recebido pelos ávidos cientistas.
Ao mais velho e sábio de todos foi dada a honra de primeiro abrir o frasco e receber em si as luzes da eternidade prometida. Então, com mãos trêmulas, um sorriso indescritível e cortejado pela ilustre plêiade dos que o assistiam, foi o antigo sábio abrir o frasco. Os mais curiosos se espremeram para verem os frutos do árduo trabalho de toda sua vida.
Mas, pobres e desolados ficaram quando depois de aberto o frasco observaram que na ampulheta a areia avermelhada ainda se movimentava.
Depois de tal frustração, retiraram-se do métier para nunca mais voltarem. Aos grimórios foi dado o fogo e os instrumentos, todos quebrados. Sei que no lugar onde funcionava seu laboratório hoje enlaçaram em pedra uma linda igrejinha. E os alquimistas, partiram para terras longínquas.
Esta é a história do fracasso do elixir da longa vida. E diante disso, tu podes perguntar: como ousas dizer que tu encontraste aquilo que os antigos sábios jamais vislumbraram? Pois respondo tua pergunta: verdadeiramente encontrei, sem engenho e sem fórmulas, posto diante de mim no beijo doce e delicado que recebi de você. Nesse beijo, os astros do universo em rara sintonia cuidaram para que suas órbitas fossem totalmente alinhadas e a lua, que dormia grande e branca no céu, acordou e sorriu um sorriso de mãe. Foi um momento lindo, nosso beijo sincero sendo assistido pelos céus sem fim. As estrelas todas brilharam forte e o tempo, inexorável tempo que nunca pára, hoje parou e admirou o doce encontro do nosso amor.

Rafael Guerreiro

Um comentário:

Anônimo disse...

olá, Rafa!
"ELO DE LIGAÇÕES"...
Lindo!
Arte!
Sentidos!
Sintonia!
Poesias!
Complexidade!
Simplisidade!
Parabéns!
Paulinha.