Quantos são ainda os tormentos que terei de expurgar como que exorcismos de mim mesmo? Quantos são ainda os beijos de suplício ensandecido dos quais carecerei?Deixo aos pés da mansarda apenas a certeza de que seguro a linha como o velho de Hemingway, até o sangue transbordar da carne para a água.
No encontro comigo mesmo, espero que a maré traga algum tesouro, alguma garrafa que contenha os desejos mais bem guardados, os objetos mais particulares que os escafandristas não encontraram em nenhum mar profundo.
Deito os cotovelos na janela de um ocaso inóspito e ouço do mar serestas intangíveis, sons de um compasso muito próximo, sons de uma toada feita a dois.
Guardo ainda dentro de mim o entusiasmo das ondas, o encontro com meus sentimentos tão símiles da dor, tão fomentadores do vento. Guardo ainda em meus desertos sequiosos a carícia de um amor, o desencontro amorfo de vitórias e derrotas.
Sei que do tempo espero respostas, sei que do mar espero similitudes, anseio por descobrir invasões bárbaras que fizessem em mim mesclas de cores e corpos. Espero do mar sensações de aconchego onírico, onde eu possa saciar-me a mim mesmo em êxtases de liberdade.
Naquela janela de fronte ao mar deito minha vida, esperando dele uma fidelidade inviolável. Com o olhar fixo permanecerei ali, aguardando daquele oceano inspirações tão raras, tão sedentas de vida. Ficarei ali como quem aguarda no porto. Sei que minha profissão será a espera no porto pelo encontro inesperado de ventos intermitentes. Espero no porto pela maré de toques e afagos. Espero no porto por um amor que chegue com as ondas e que fique nas redes que lancei naquele mar de ressaca.
Rafael Guerreiro
